Catadores são protagonistas da reciclagem, mas enfrentam vulnerabilidade social', diz especialista

Apesar de garantirem grande parte da coleta e separação de materiais recicláveis, profissionais lidam com baixa remuneração, informalidade e falta de reconhecimento pelo poder público

8/25/20255 min read

A preocupação com o meio ambiente é o principal motor da reciclagem no Brasil, segundo estudo do Instituto Recicleiros, em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Resíduos Sólidos da Universidade de São Paulo (USP). Mas, por trás dessa atividade, os verdadeiros protagonistas da cadeia permanecem invisibilizados: os catadores de materiais recicláveis, responsáveis por grande parte da coleta e separação dos resíduos, transformam o que pode ser visto como lixo em sustento para milhares de famílias.

A moradora de Jacarepaguá Claudete Costa, que trabalha como catadora de materiais recicláveis há 35 anos, conta que a realidade desses profissionais ainda é "desumana"."Hoje, na cooperativa, eu tiro mil reais, R$ 400 vão para passagem, e eu fico com R$ 600. Quem sobrevive com R$ 600? Isso mensalmente", diz Claudete, responsável pelo sustento de seus dois filhos. "Tem cooperativas em que o pessoal leva três, quatro meses para tirar quinhentos reais. Então, a realidade de uma cooperativa de catadores não é muito humana. É um pouco desumana."

Claudete menciona que parte de sua renda vem de outras atividades, incluindo palestras como militante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Ela explica que os catadores que conseguem permanecer mais ativos dentro da cooperativa acabam garantindo uma remuneração um pouco maior.

"Na minha cooperativa, é mais por rateio. Então, eles pagam todo o custo que se tem, e o restante é dividido em partes iguais. Ninguém está tirando menos de um salário, mas também não tira um salário redondo", afirma.

Hoje, a reciclagem é "vetor estratégico da economia circular e da sustentabilidade corporativa", aponta Isabela de Marchi, gerente de sustentabilidade da SIG, empresa suíça de soluções para embalagens.

"Ao reinserir materiais no ciclo produtivo, reduz-se a pressão sobre os recursos naturais e as emissões de CO2, otimiza-se a eficiência do sistema de embalagens e cria-se um ambiente favorável para novos modelos de negócio. Isso significa geração de empregos, fortalecimento da indústria local e estímulo à inovação", ressalta.

Isabela também expõe que os catadores, parte fundamental do processo, estão em condição de vulnerabilidade social. O serviço passou a ser reconhecido como profissão no Brasil em 2002 pelo Ministério do Trabalho.

"Os catadores são protagonistas da reciclagem no Brasil, responsáveis por grande parte da coleta e separação dos materiais. Porém, grande parte desse trabalho ainda ocorre de forma informal, sem infraestrutura adequada e em condições de vulnerabilidade social", diz.

Segundo levantamento do MNCR, há cerca de 800 mil catadores em atividade no Brasil, sendo 70% do gênero feminino. Procurada pelo jornal O DIA, a Secretaria de Estado de Trabalho e Renda do Rio de Janeiro informa que "não há um dado consolidado sobre o número de catadores no Estado, já que muitos atuam de maneira informal".

Protagonistas invisíveis

O recente estudo do Instituto Recicleiros, junto ao Neper/USP, um dos maiores sobre o tema, analisou os hábitos de reciclagem dos brasileiros, com foco em 11 municípios, e constatou que o principal fator responsável pela destinação à reciclagem diz respeito às preocupações com o meio ambiente, e não à geração de renda dos catadores que fazem parte dessa linha de trabalho.

Segundo o estudo, temas como preocupação com o Meio Ambiente e reaproveitamento da matéria prima dos materiais estão entre as principais preocupações na hora de reciclar, principalmente entre a população com maior escolaridade e renda.

Em contrapartida, os dados da pesquisa mostram que, entre os grupos com menor escolaridade e renda, o foco na geração de remuneração para os catadores aumenta, embora ainda seja menor em comparação às preocupações ambientais e com o reuso.

O levantamento entrevistou 4.419 pessoas de 11 municípios, distribuídos em quatro regiões e oito estados brasileiros: Região Sul (Caçador-SC); Região Sudeste (Guaxupé-MG, Garça-SP, Piracaia-SP, São José do Rio Pardo-SP e Três Rios-RJ); Centro-Oeste (Caldas Novas-GO, Maracaju-MS e Naviraí-MS); e Nordeste (Serra Talhada-PE e Cajazeiras-PB).

Condições de trabalho

Morador de Bangu, Custodio da Silva, de 66 anos, que trabalha como catador há mais de 40 anos, garante que as ações públicas ainda são insuficientes.

"Sempre estive na linha de frente, brigando, trazendo para a realidade do Ministério Público do Trabalho a decadência que o poder público oferece. Para ser mais claro: da Comlurb, da Coleta Seletiva. Tudo que eles apresentam na mídia não é a realidade", afirma.

"Aqui onde eu estou, são 40 famílias que oscilam em direitos. Porque você paga uma pessoa, mas esquece que ela tem direito à educação, à saúde, à cultura e ao lazer. Tudo isso precisa estar dentro da remuneração. E o poder público não reconhece isso".

Custodio também enfatiza que a Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, é ineficaz.

"A Lei 12.305 diz que o município, que é o gestor do resíduo, tem obrigação de contatar cooperativas, associações de catadores e catadores organizados. Só que a Comlurb, administrada pela Prefeitura do Rio, não entende isso."

Procurada pelo O DIA, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) informa que conta com o serviço de coleta seletiva porta a porta em todas as regiões do município.

"A Coleta Seletiva atende a 117 bairros da cidade. Todo o material é entregue gratuitamente a 30 cooperativas de catadores, que fazem a separação e comercializam os produtos. O lixo reciclável garante assim trabalho e renda aos cooperativados, beneficiando cerca de 450 famílias."

"A Comlurb não faz reciclagem de material. A Companhia conta com o serviço de coleta seletiva porta a porta em todas as regiões da cidade. Atualmente, o recolhimento na porta dos moradores é feito uma vez por semana, em dias alternados aos da coleta domiciliar. A população pode se informar sobre o dia e o horário da coleta em cada rua."

A Secretaria Municipal do Ambiente e Clima (SMAC) diz que "não possui um levantamento detalhado sobre a movimentação financeira do mercado de reciclagem na cidade do Rio". A SMAC também compartilha que há "30 cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis cadastrados na Comlurb, que recebem os materiais de coleta seletiva".

Sobre a qualificação dos profissionais, a SMAC ressalta que "está desenhando um plano programado para qualificar e quantificar os catadores e catadoras de materiais recicláveis da cidade. O projeto visa oferecer um panorama mais preciso da atividade a partir de 2026".

Já a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas) relata que atualmente, no Rio de Janeiro, são 69 cooperativas de catadores cadastradas na pasta.

"O Programa Recicla RJ, que foi lançado em 2021, tem por objetivo projetar e sistematizar a cadeia produtiva de reciclagem no estado do Rio de Janeiro, com a inclusão socioprodutiva dos catadores de materiais recicláveis, assim como aumentar os índices de coleta seletiva nos municípios", destaca por meio de nota.

A Seas também informa que apoia os catadores por meio de outras iniciativas, como o Comitê Estadual de Inclusão Socioeconômica de Catadores e o ICMS Ecológico.

Claudete afirma que atualmente, para ela, a maior dificuldade é o reconhecimento por parte do poder público: "O nosso maior desafio é, de fato, sermos reconhecidos pelos municípios e prefeituras como prestadores de serviço e sermos pagos pelo serviço que prestamos, sem dúvidas. Prestamos um serviço para o Estado, para o município e para a sociedade, mas não somos remunerados por isso. Trabalhamos para que esse produto não volte para as ruas, para os lixões da vida, não seja aterrado e não contamine ainda mais, poluindo o nosso meio ambiente."